sábado, 23 de maio de 2009

Em Brasília

Por Horácio Ortiz

O período final da legislatura estadual nos foi favorável porque realmente foi ajudado pelas declarações do Presidente Figueiredo, com aquelas famosas frases como: “prefiro cheiro do cavalo do que do povo” e outrasmais. A situação da Revolução estava visivelmente enfraquecida e a campanha era favorável. Toda a população era contra a ditadura. Isso pelo Brasil todo. Então, naquele período na Assembléia Legislativa tivemos vários episódios em que realmente pudemos dar destaque.

Um fato que chocou muito a opinião pública em São Paulo, foi a invasão da PUC. A invasão perpetuada pelo famigerado Coronel que invadiu a PUC e praticamente espancou, agrediu e arrebentou todas as instalações da Universidade. Nós abrimos uma Comissão de Inquérito na Assembléia Legislativa, e foram eleitos, eu como relator, o Goldman como Presidente e mais um do PMDB. Éramos três do PMDB, que eram maioria na Assembléia e dois da ARENA, o Castelo Branco, que aliás era um bom sujeito e o líder da ARENA. Então essa Comissão de Inquérito, no dia seguinte de constituída, visitou todas as depredações que aquele mal fadado Coronel tinha feito no Prédio da PUC. Fizemos várias sessões públicas com grande destaque na imprensa, tendo em vista a violência daquilo e a ferocidade da ação. Aquilo teve uma repercussão muito boa, vários meses. Ao fim nós concluímos. Como relator, pedimos o enquadramento do responsável principal, o Coronel, que  tinha infringido quatro artigos do Código Penal. Invasão de domicílio, abuso de autoridade, ferimentos graves  e danos ao patrimônio de terceiros. Essa conclusão depois de muita discussão, o pessoal da ARENA querendo sabotar, como sempre, foi aprovada e enviamos para o Governador, Abreu Sodré. Ele como bom arenista que era, infelizmente não deu andamento, não mandou à Promotoria Pública, e após um leve parecer mandou que o processo fosse arquivado. Esse foi um dos fatos marcantes da minha legislatura como Deputado Estadual.

Outro trabalho importante que desempenhei também, foi a luta contra a implantação do Aeroporto de Caucaia. Um aeroporto absolutamente inconveniente em termos de projeto, de execução e conduzido de forma trabelhária pelo Governador, que queria, com interesses escusos. Era uma obra caríssima, conforme nós provamos na Comissão de Inquérito, e que não justificava-se naquela época, porque Congonhas resistiria por uns quatro ou cinco anos, e atenderia ao mercado e o sistema de aviação da região.

Esses dois fatos me foram favoráveis. Eu estava animado que realmente teria uma boa votação, como realmente tive, cerca de oitenta mil votos, e trabalhando sozinho como oposição, sem gastar dinheiro. Simplesmente em decorrência do trabalho político que tinha feito na Assembléia Legislativa.

As eleições de 1978 foi ...... geral no País, em que a oposição ou PMDB, conseguiu vários governos estaduais e grande maioria das Assembléias Legislativas, como foi em São Paulo. Na Câmara Federal também tivemos uma boa representação.

As eleições de 1978 tiveram certos aspectos interessantes e divertidos. Por exemplo, lideranças novas surgiram como uma reação da população. No Rio de Janeiro, o Brizola que era Governador, quis eleger e elegeu com grande maioria, um representante índio, o famoso Juruna. O Juruna foi candidato pelo Rio de Janeiro, uma cidade culta, das capitais do País muitos anos, elegeu  o Juruna  com grande votação. Em contraste com a população culta do Rio que elegeu o Juruna, o Mato Grosso que era um Estado mais ou menos agrário ou pouco desenvolvido, elegeu o Senador Campos, que era um grande intelectual e praticamente teve o seu reconhecimento por esta eleição por Mato Grosso. Mas esse período inicial em Brasília foi para nós aquele deslumbramento e para lá foram algumas passagens interessantes.

Um dia, passando aqui em São Paulo pela Avenida da Água Funda, vi num Posto de Gasolina um bonito de um Ford verde. Daqueles últimos modelos antigos da Ford e estava alinhadíssimo. Eu fiquei encantado com aquele carrão e disse:

-  Eu vou desfilar em Brasília com este bicho! Afinal lá a gente vai andar pouco, é só do Congresso ao restaurante e ao apartamento. Esse bicho bebe muita gasolina, mas não vai me dar prejuízo e tem um status bonito.

E realmente fui no posto e fechei negócio com o “fordão” que tinha motor V8, estava em muito bom estado, pintura impecável, estofamento novinho, pneus bons, motor funcionando muito bem, ar condicionado, rádio muito bom e era propriedade de um médico que pôs à venda. Nós adquirimos aquele “fordão” e demos umas voltas aqui em São Paulo enquanto preparávamos para irmos para Brasília.

A nossa viagem para Brasília também foi muito divertida. Eu tive contacto com um colega também eleito deputado federal, o nome era Walter Gama, o Waltinho, eleito por São Bernardo. Ele era genro do Grilo, que era Prefeito de São Bernardo. O Waltinho era grande sujeito, muito amigo, companheiro e foi um grande companheiro lá em Brasília também. Então marcamos um dia e eu e o Waltinho saímos de casa em direção a Brasília com o “fordão”.  Nossa viagem teve um grande imprevisto, porque saímos de São Paulo, pegamos a via Anhanguera até a divisa de Minas, de lá pegamos o Triângulo Mineiro rumo à Brasília, via Catalão que era uma rodovia nova ligando Brasília ao Triângulo Mineiro. O nosso “fordão” comia uma gasolina danada e fomos seguindo. Sei que lá pelas tantas da estrada, começaram a ralear as cidades e os poucos lugarejos que tinham na marginal praticamente não tinham nada, eram botecos com café e não tinha posto de gasolina nenhum.  Eu comecei a ficar assustado porque ainda faltavam uns 150 kms para chegar em Brasília e a gasolina já estava meio que encostando no zero. Eu pensei e disse:

-         Como é que eu vou sair dessa?

Aí quando chegamos na frente, uma cidadezinha um pouco maior, mas sem posto de gasolina nenhum. Eu resolvi apelar. Entrei na cidade e procurei até encontrar uma farmácia. Na farmácia olhei nas prateleiras etc, vi vários litros de álcool e pensei cá comigo: vou resolver o problema do próálcool aqui no Triângulo Mineiro e já que o meu “fordão” não está adaptado vai ter que beber álcool de qualquer jeito senão não vamos chegar em Brasília. Pegamos uns 30 litros de álcool, o que tinha no estoque da farmácia, e tacamos no “fordão” velho e disse para o Waltinho:

-         Se não for isso aqui nós não vamos chegar em Brasília hoje. Vamos ter que pousar na estrada porque já está escurecendo.

Tocamos o álcool, o bicho pegou até com um barulho bonito e pisamos fundo. Até parece que o álcool dava maior potência ao motor. Ele corria para burro. E sobe e desce e tal, estrada nova e boa e tal e tal, fomos andando, rezando etc. Não chegamos em Brasília a não ser 10 kms de Brasília que tinha outro posto. Mas afinal chegamos em Brasília com o “fordão” corajoso, meio bêbado etc mas aguentou o tranco bonito.

Em Brasília no dia seguinte fomos lá num Posto fizemos uma lavagem no tanque do nosso alcoólatra recente que era o nosso “fordão” e limpamos alguma coisa, carburador, a bombinha de gasolina etc porque nós sabíamos que o carro não era adaptado e esse era o ponto fraco. O álcool ataca aquelas fundições desse processo de adução de gasolina para o motor e o bicho ficou em ordem e voltamos para Brasília. Quem chega em Brasília como eu e o Waltinho, chegamos deslumbrados, porque eu conhecia Brasília mas estava devendo um certo compromisso porque fui convidado para a inauguração de Brasília. Tinha uma turma de colegas engenheiros do Instituto de Engenharia, que fizeram uma caravana, mas eu comodamente fiquei aqui para assistir a inauguração, que foi um grande trabalho, uma demonstração de capacidade administrativa de JK. Mas aquele tempo, teve infelizmente alguns anos antes, o JK tinha uma certa oposição àquela bateria da UDN malhando o governo dele noite e dia, tinha algum certo efeito sobre a população. Também algumas passagens do sistema de construção etc. Então tínhamos um débito com Brasília, mas chegamos lá e logo fomos para um hotel, nos instalamos etc e ficamos programando como seria a nossa estreia na semana seguinte. Lá no Congresso começariam os trabalhos legislativos. E aconteceu uma  passagem divertidíssima que foi no nosso primeiro dia em Brasília. É uma história que eu não esqueci porque caracterizou o nosso primeiro dia no Congresso.

Chegamos lá no Plenário, respiramos fundo etc, aquele ar condicionado muito frio e eu mal acostumado. Aqui em São Paulo o ar condicionado da Assembléia Legislativa não era lá essas coisas. Mas eu sei que lá assistimos os primeiros discursos etc, abertura, tudo muito bonito. Aí chegou na hora do almoço e resolvemos fazer a inauguração num restaurante bom. Perguntamos para alguns e todo mundo sempre indicava o Piantella. O piantella era o famoso restaurante preferido dos políticos, particularmente o Ulysses, os Senadores etc tinham cadeira cativa, uma mesa especial para eles lá. Então fomos almoçar no Piantella. Mas quem nos convidou para irmos lá, era um colega daqui de São Paulo que insistiu muito para irmos para lá. Ele nos levou no Piantella, mandou descer a carta de vinho, tinha uns vinhos muito gostosos, whisky  etc. Eu, o Waltino e Roberto esse colega nosso, entramos no whisky, almoçamos, foi tudo muito bom. Chegou a hora da conta, esse colega nosso pegou e começou a dormir, e roncava alto. Estranhei aquilo, afinal nós tínhamos bebido um bocado de whisky, comida muito boa etc mas ele estava numa soneca profunda. Eu e o Waltinho resolvemos ir embora, chamamos a nossa conta meio salgada, rachamos a conta e pagamos. A hora em que acabamos de pagar a conta, o nosso colega que era Deputado daqui de São Paulo, que já vinha de uma legislatura anterior, acordou instantaneamente falando: - - ô vocês pagaram a conta, mas eu é que tinha convidado. Nós dissemos que não, que foi um ótimo almoço etc e voltamos para o Congresso. Chegamos lá, começamos a sessão etc, encontramos com um grande amigo, aliás um grande deputado, um orgulho como deputado federal de São Paulo, que era o Pacheco Chaves. Ele sempre foi amigo, a esposa dele tinha até um certo parentesco, um relacionamento com a amiga da minha senhora. O Pacheco Chaves perguntou como fomos de almoço, nós dissemos que foi tudo ótimo e perguntou se foi tudo bem e se tínhamos ido sozinhos. Nós falamos:

- Não nós fomos com o nosso amigo, o Deputado Pacheco.

O Pacheco Chaves disse:

- Foi tudo bem? Ele que convidou vocês?

Respondemos:

- Ele nos convidou, nos apresentou o dono do restaurante bacana, o Ulysses vai todo para lá, pessoal camarada, whisky muito bom, vinho italiano também.

O Pacheco disse:

-  Beberam muito whisky? O deputado que convidou vocês bebeu bastante?

Falamos:

-  Bebeu bastante whisky, bastante vinho.

E o Pacheco, meio olhando de lado perguntou:

-  Escuta e o que aconteceu depois?

Dissemos:

- Não aconteceu nada. Depois da bebida, do whisky etc, o nosso colega parece que estava meio cansado.

Aí o Pacheco disse:

- Ah sei, ele começou a dormir, a roncar alto né?

Eu disse:

- É isso mesmo, ele roncava alto.

O Pacheco disse:

- Vocês aguardaram, aguardaram e quando vocês fecharam a conta ele acordou, não acordou? Então ele continua o mesmo. Isso todo deputado novo que vem para cá, ele dá o golpe da soneca. 

Eu disse:

- Puxa vida no meu primeiro dia aqui essa turma já começa a dar lição na gente. Ô Waltinho precisamos abrir o olho com essa turma aqui. Esse time é pesado, não vamos brincar em serviço. O que acontece aqui tem antecedentes, vamos conversar bastante com o Pachecão para saber como é que funciona esse tal de Congresso.

E assim foi o nosso primeiro almoço em Brasília. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário