sábado, 23 de maio de 2009

O Navio do Salgado

Por Horácio Ortiz

Aquele colega Salgado, do nosso primeiro dia, que nos levou no almoço no Piantella, e que o Pacheco Chaves contou qual era o seu costume de saudação aos coleguinhas recém chegados no Congresso. O Salgado uns meses depois na Câmara Federal, um dia me convidou para jantar na casa dele. Ele disse que eu como engenheiro conhecia construção civil poderia assessorá-lo num negócio que ele estava pretendendo. O Salgado era um sujeito muito ativo e tinha umas empresas de exportação e importação, e tinha um relacionamento grande com os países da África, da América Central etc. Então ele me convidou para jantar, disse que tinha uma comitiva das Bahamas que vinha fazer uns negócios com umas empresas da cidade de São Paulo e queria que eu estivesse presente. Eu disse:

- Bom, me não custa nada.

Dali uns dias, chegou o dia do jantar, estava lá seu apartamento, aliás um belo apartamento de cobertura, muito bem alinhado na Rua Padre João Manoel, e estava lá a tal comitiva, uns quatro cidadãos lustrosos, de casaca e as respectivas esposas. Foi um belo jantar e dentre os convidados existiam alguns empresários paulistas que ele tinha convidado. Entre eles eu encontrei o Allipert. Ele era filho do empresário Allipert dono da Siderúrgica Allipert da Água Funda no Ipiranga. Eles são meus conhecidos há tempo, minha senhora, Leia, foi professora na escola Valentim Gentil, que fica muito próxima a Allipert e os filhos dos funcionários da Allipert praticamente todos frequentam essa escola. Então era um relacionamento grande da Siderúrgica com a escola. Muitas vezes a meu pedido ou por espontânea vontade eles faziam serviços para a escola. Pintavam os muros, consertavam sanitários e eram muito prestativos. Gostavam muito da Diretoria e da minha senhora. Então eu conhecia o Allipert que também estava na reunião do Roberto Salgado, que era um empresário e tinha um relacionamento grande com essas empresas. E conversa vai, conversa vem, um bom whyski rodou e tal, e lá pelas tantas o Salgado me apresentou os Ministros das Bahamas. Um era Ministro de Obras Públicas, outro era Ministro das Finanças, outro era Ministro da Construção de Obras e outro era Ministro de Transportes. Eles vinham fechar negócios com empresas paulistas e diz o Salgado que o Governador estava interessado nisso e que no dia seguinte seriam apresentados no Palácio. Então ficamos lá batendo um papo com esse pessoal todo, inclusive entre os convidados estava esse Allipert que era interessado.

Naquele tempo a Allipert trabalhava com produção de lingotes de ferro, aço para construção civil e até ganhava um bom dinheiro com a construção aqui no Brasil e para exportação também. Ficamos ali numa conversa e o tal Ministro de Obras Públicas veio conversar comigo e com o Allipert que estava interessado em fazer uma aquisição de ferro para construção. E o Allipert estava ali para isso mesmo ficou discutindo com ele, qual era o tipo  de bitola que eles faziam para a construção civil, ferro de uma polegada para baixo e tal. Conversaram bastante tempo. Demos umas voltas conversamos com os outros convidados.

Lá pelas tantas o Salgado veio e participou da conversa final entre o tal Ministro, eu e o Allipert.  Então o Ministro perguntou para o Allipert:

- Quanto que você poderia fornecer para o nosso país? Nós estamos precisando desenvolver aquilo e tal.

O Allipert respondeu:

-  Eu tenho uma produção boa, e depende das bitolas que você precisa.

Ele disse:

-  Eu preciso de bastante de uma polegada para baixo. Ferro 37 CA.

Naquele tempo era essa a classificação do ferro, hoje a resistência é muito maior, cinco mil e tal.  

Conversaram então, e o tal Ministro estava interessado, entrou em detalhes com o Allippert, e queria fechar um negócio de mais ou menos 50 toneladas. Olha que é ferro para burro. São uns 10 caminhões de ferro, bitola média, ¾, ¼ , 7/8,  uma polegada etc. Conversaram bastante e Salgado veio e disse:

- Olha eu tenho uns navios aí das companhias que trabalham comigo e você se tiver qualquer dificuldade de exportação, mediante esse pedido, eu posso arranjar esse frete. Você combina com eles.

O Allipert disse:

- Ah pois não. A mim interessa vender. Estou fazendo negócio aí. Invés de vender aqui eu vendo lá fora. 

Então, conversaram bastante e no fim acertaram 50 toneladas de ferro de bitolas diversas que seriam exportadas dali há poucos meses. Dependeria do fechamento do negócio, autorização para exportação etc.   E a noite rolou, whisky,  música etc. E ficou tudo bem. Eles combinaram no seguinte continuar o processo e a negociação.

Passados mais ou menos uns seis meses, um dia eu estava numa reunião na Federação das Indústrias, tinha lá uma reunião de um problema qualquer, e tinha muitos empresário presentes. Ouve um coquetel e eu encontrei o Allipert e disse:

- Você está bom? Como é que vamos e tal? 

E eu lembrei daquela passagem daquele negócio que ele tinha feito e fiquei curioso. Então eu perguntei:

- Você viu o Deputado Salgado? Aquele que você estava acertando aquele negócio? Naquela noite você tinha combinado negócio e ia prosseguir entendimentos no dia seguinte da exportação daquelas 50 toneladas de ferro. Foi tudo bem? Faz uns seis meses que a gente não se vê, e como é que foi aquilo lá?

Ele disse:

- Faz seis meses mesmo. Mas você sabe que depois daqueles dias que eu tive entendimento, depois de lá eu nunca mais vi o Salgado, nem o navio dele e nem 50 toneladas que eu embarquei. Nunca mais eu ouvi falar dessa turma.    

Eu disse:

- Nossa vida, que coisa heim? Esse tal de Salgado é um malandro desgraçado. E eu caí que nem um patinho. Eu sinto muito e estava lá meio penetra, como convidado, mas eu forcei nada. Para você ver, a gente nessa idade e ainda cair nesse conto.

E foi assim que eu me despedi dele pensando cá comigo: puxa vida, mas esse cara tem coragem e é nosso representante no Congresso Nacional, esse tal de Salgado. E como ele tem coragem de levar tanta gente no tapa! Pelo amor de Deus.  

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