sábado, 23 de maio de 2009

Nº 244

Por Horácio Ortiz

Essa é uma história interessante que ocorreu naquele período, um mês antes das eleições diretas pelo Congresso Nacional, eleição em que elegemos o Tancredo Neves. Como todos sabem historicamente a corrente do Maluf conseguiu o trabalho dentro do governo, conseguiu anular o movimento do candidato natural do governo que era o Ministro Andreazza, que era um grande trabalhador, um pé de boi do governo. Era grande figura pelas as suas obras e era um general que deveria suceder ao Figueiredo. Mas por um trabalho de sapa e convencimento, que demonstra grande inteligência e  habilidade do Maluf, ele conseguiu pouco a pouco ir convencendo os Deputados do seu partido a ir largando o Andreazza. E na convenção do partido o Andreazza perdeu do Maluf. Então O Maluf saiu como candidato à Presidência da República através da eleição direta do Colégio Eleitoral que era composto dos Deputados e Senadores. Então essa estrutura armada a eleição diariamente havia comentários, discussões etc e aquele episódio do Juruna. A história era que virava e mexia vinha uma notícia de que fulano de tal malufou, fulano de tal de tal Estado malufou também.  E aquela onda danada do Malufando embora os partidos da oposição, PMDB tivessem todos um grande entusiasmo porque havia um movimento nacional pró redemocratização. Mas assim a pressão, relativa dependência de todos os outros Estados menores do Governo Federal colocava em cheque a votação. E assim os meses foram andando até chegou o famoso dia véspera da votação. Nesses dias aconteceu um fato muito curioso e que também  nunca vai apagar da minha memória, essa passagem do Congresso Nacional.

Um dia, voltando para o meu Gabinete encontrei a porta abarrotado de jornalistas me aguardando. Eu perguntei o que havia de novidade. Eles disseram: 

-  O problema é o seguinte. Fizemos um levantamento e parece que o PMDB vai ganhar mesmo. Vai dar vitória do PMDB. Então nós jornalistas fizemos uma contagem dos votos que sairão amanhã e contando um por um dos votos, pela ordem, os votos mais definidos, então o Sr. que é o número 244 vai ser o voto decisivo, que é o voto da metade mais um. Se o Tancredo ganhar, o voto do Sr. vai ser o voto decisivo.

Eu fiquei surpreso com aquele monte de jornalistas e disse: 

- Então eu fico animado com isso e acho que é uma ótima solução, eu contribuir com meu voto, que vocês não têm dúvida que vamos eleger e redemocratizar este país, depois de tantos anos de luta pelo PMDB e pelas oposições do País.

E conversa vai, conversa vem, os jornalistas foram embora. Eu fiquei no meu gabinete pensando: puxa vida, amanhã vai ser uma passagem dura. Mas estava todo animado porque afinal meu voto seria decisivo e seria motivo de orgulho para o resto da minha vida. Fiquei todo animado, peguei o telefone, telefonei para a patroa em São Paulo, Dna. Leia, e as minhas filhas, dizendo: 

- Olha amanhã, vocês vão ouvir na TV na votação que o papai aqui vai ser o voto decisivo. A metade mais um. Nós vamos eleger o Tancredo.

Aliás eu tinha certeza que nós íamos eleger o Tancredo. E aquela noite fui dormir feliz. Antes passei no Piantella, jantei muito bem, tomei uns vinhos, uns whiskys etc, sossegado e com a consciência tranquila.

No dia seguinte houve o início da votação, uma porção de questão de ordem, etc, o processo foi se prolongando. Questão de ordem, questão de ordem de lá, etc e o tempo passando. Até que começou a votação.

- Fulano de tal do Amazonas, com que vota? 

- Maluf.

- Fulano de tal do Estado tal em quem vota?

- Maluf.

- Fulano de tal do Estado tal com quem vota?

- Tancredo.

E foi assim pim pam, pim pam, equilibrado o negócio. Aí foi chegando e eu me animando porque o PMDB estava com uma pequena vantagem. Foi chegando o meu número de votação e eu estranhei porque estava faltando a votação de muita gente. Tinha uns sabidões que deixavam para a segunda chamada e eu inocentemente não tinha percebido a jogada desse sabidos. Porque estava muito equilibrado, de qualquer forma eu estava acompanhando, chegou no meu número.

 Deputado Horácio Ortiz em quem vota?

- Tancredo.

Mas eu fiquei com a pulga atrás da orelha, pensando: puxa vida, mas ainda falta uma meia de dúzia de votos para atingir a metade mais um. E foi andando, até que chegou no nº 276.

- João Cunha em quem vota?

- Voto com Tancredo Neves pela democracia no Brasil.

Foi aquele estrondo, a democracia, votação, aquele estouro danado. Então a democracia tinha sido reconquistada no Brasil. Tancredo Neves tinha vencido a votação. Só aí que eu descobri o que era a jogada. Muitos malandros para não se comprometerem, não respondiam a primeira chamada para aguardar quem ganharia a votação para depois votar. E assim aconteceu. Muitos malandros votaram na Segunda chamada quando Tancredo já tinha ganhado com muitos votos. Evidentemente eu fiquei contente pela vitória de Tancredo, mas fiquei mais ou menos decepcionado, pensando: puxa vida, mais uma vez a gente recebe uma lição aqui nessa Casa, entre os espertos. Todos são espertos e cada um é mais esperto do que o outro. Afinal contente, feliz da vida, fomos jantar no Piantella com o Ulysses, o pessoal todo, comemorando a vitória. No fundo eu pensei: mas que danados desses safados. Bem podiam, o papai aqui ter um cartaz danado com esse voto decisivo. Exatamente o que aconteceu com o João Cunha. O voto dele foi decisivo e estourou pelas manchetes do Brasil todo. Isso faz parte do jogo, da luta política e o final feliz foi que o Tancredo Neves foi eleito pelas oposições, particularmente pelo PMDB, como primeiro Presidente do Brasil depois da Ditadura.

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