Por Horácio Ortiz
Setembro é mês agitado para os políticos, que pouco antes do dia das eleições, todo político programa visitas, contactos, palestras etc. Vou contar uma história ocorrida em setembro. Convidado pelos amigos Ulysses Guimarães e Franco Montoro, com muita honra, ofereci o meu Opala para uma visita ao Vale do Paraíba que era na época um famoso curral eleitoral Ademarista. Então lá pelas sete da manhã, estava na Rua Campo Verde na Casa do Ulysses, onde a sua esposa atenciosamente nos ofereceu um cafezinho e bolachinhas. As primeiras do dia. Pouco depois, estávamos na casa do Montoro, na Rua Conselheiro Zacarias, onde Dna Lucy sempre muito atenciosa ofereceu mais um cafezinho com bolachas, as segundas do dia. O Montoro precavido, foi trazendo além de cédulas um pacotão de seus livros: “Salário não é renda” e “ABC dos Direitos dos Trabalhadores” e outros. E dali partimos para o Vale do Paraíba, um reduto eleitoral do Ademarismo há muitos anos.
A primeira parada ocorreu em Jacareí, terra tradicional de Ademaristas. Lá fomos recebidos por um velho motorista, um batalhador, inclusive vítima da Revolução tendo amargado uns bons tempos na cadeia por ser contra revolucionário. Ele era candidato a Vereador, muito atencioso, e nos recebeu num sobrado da Praça central. Nos trouxe um cafezinho e mais uma vez, umas bolachinhas e vários biscoitos de Jacareí que eram famosos, aliás até hoje são. Terceira dose de bolacha. De Jacareí partimos para Taubaté.
Em Taubaté fomos visitar um bairro que tínhamos muitas recordações, que era o bairro onde morava minha madrinha Maria José. Foi em Taubaté, naquele bairro que eu fiz a primeira comunhão, naquela igreja de Nossa Senhora das Graças e, onde era mantido o culto pelo Padre José que era um idealista, inclusive conterrâneo meu, que tinha nascido em Redenção da Serra. Aquele Padre realmente era um centro de interesse político dos operários da Companhia Taubaté Industrial. Lá tivemos, conversamos bastante e a afinidade do Montoro com os padres se confirmou mais uma vez, com a ótima recepção que ele e alguns amigos da Paróquia nos deram.
De Taubaté fomos direto para Aparecida, nosso centro religioso, e lá fomos diretamente para a estação de rádio. A rádio de Aparecida que é religiosa, é da Cúria e tem uma audiência enorme em todo o Vale do Paraíba, Sul de Minas etc. E lá ficamos quase uma hora com nosso amigo Ulysses Guimarães fazendo um belo de um discurso, como grande orador que era, falando dos problemas do País, a necessidade de lutar contra a ditadura etc e logo depois o Montoro também com a sua liberdade, sua facilidade para conversar com os cartolas. Essa conversa deles levou quase duas horas e já eram mais ou menos duas horas da tarde, meu estômago ruidoso já dava um sinal de desespero para o modesto acompanhante daquelas grande figuras da República.
Terminados os discursos, fomos direto para um Seminário em Aparecida onde estava hospedado o Cardeal Dom Carlos Vasconcelos Mota, famoso Cardeal que tinha muita personalidade e inclusive foi perseguido pela Revolução. Lembro-me de um primeiro dia de maio, na Praça da Sé num grande discurso em frente à Catedral, em que ele não teve papa na língua e desceu a lenha na Revolução. Não demorou alguns meses e o coitado do nosso querido Cardeal Dom Carlos foi transferido para Aparecida, saindo de São Paulo com grande prestígio que tinha aqui. Mas por pressão da própria Revolução ele foi.
Aquela comemoração do Primeiro de Maio na Praça da Sé foi famosa, porque além do discurso de Dom Carlos, ocorreu um fato interessantíssimo. Foi feito um palanque democrático em que participavam inclusive trabalhadores, membros políticos etc, inclusive o ex-Governador Abreu Sodré. Lá pelas tantas houve uma divergência e houve uma briga tremenda naquele palanque e por incrível que pareça, tocaram fogo no palanque. O nosso amigo Sodré e uma parte dos seus Secretários saíram meio chamuscados do palanque, enquanto os operários acabavam de demolir o palanque. Foi um fato gozadíssimo daquela época.
Mas Na visita que estávamos fazendo ao seminário onde se hospedava Dom Carlos, ele nos recebeu com toda aquela cerimônia que o Montoro mantinha com a cúpula religiosa de todo o País. O Montoro cerimoniosamente falou com o Cardeal que estava em campanha e ali estavam três candidatos, ele era candidato ao Senado, o Ulysses Guimarães à reeleição para Deputado Federal e o acompanhante que era eu, o Vereador Horácio Ortiz, era candidato a Deputado Estadual pelo PMDB. Portanto chapa completa. Depois de bastante conversa, recordando velhas passagens, o Cardeal mandou vir um chazinho e com novas bolachas, aliás muito gostosas, ali pelas três da tarde. Imagine o efeito saboroso daquelas bolachas e o chazinho. Então o Montoro explicando a nossa luta campanhando o Vale do Paraíba na hora da saída, pediu ao Cardeal se poderia arranjar alguns votos. E ele disse:
- Pois não.
E imediatamente chamou o padre superior do Seminário, que tinha duzentos ou trezentos alunos, e disse:
- Vocês trouxeram alguns documentos?
O Montoro me deu uma cutucada e eu passei a mão na maleta que estava me acompanhando preventivamente e toquei lá uns três pacotes de cédula que constava nosso nome, Ortiz, Ulysses e Montoro, a trinca que constava pelo PMDB. Entregamos aquilo com todo carinho ao Cardeal, ele deu ao Superior do Colégio e disse:
- Olha esses votos são preciosos heim. Faça força com o pessoal para apoiar nosso Partido, o PMDB.
Eu fiquei todo satisfeito, e depois mais umas conversas, saímos pela cidade, fizemos mais algumas visitas e voltamos para São Paulo.
Na volta pelo Vale do Paraíba, no meio do caminho mais um cafezinho, isso ali pelas cinco horas da tarde, meu estômago já estava cantando. Mas o pior é que dos nossos ilustres acompanhantes ninguém teve a intenção de botar a mão no bolso para comer alguma coisa mais pesada, um jantar num daqueles restaurantes. Afinal viemos, o nosso Opala firme, no bom estado em que estava, roncando pelo Vale do Paraíba, voltamos e chegamos em São Paulo. Novamente entregamos o Montoro, mais um cafezinho com a sua esposa, fomos deixar o Ulysses em casa e mais um cafezinho com a esposa dele.
Fomos para casa todo feliz porque imaginava que ia faturar horrores naquele Vale do Paraíba, no mínimo uns mil e tantos votos, dada aquela viagem importante com as maiores lideranças do PMDB de São Paulo. Passaram-se os dias, veio a eleição, e nós três fomos muito bem eleitos. O Montoro Senador, o Ulysses Deputado Federal e eu Deputado Estadual. Depois de uns dois meses eu recebi o resultado do Tribunal Eleitoral, as estatísticas dos votos alcançados em todas as urnas do Estado e da Capital. E embora já bem eleito, eu tive curiosidade com o Ulysses de verificar os votinhos da gente. E aí fui abrindo a lista do Tribunal Eleitoral por ordem alfabética, Areias etc e vi Aparecida. Eu disse:
- Vamos ver aqui Aparecida quantos votos.
Dei uma olhada na lista e levei um susto, não tinha nada, zero votos. Eu fiquei pensando comigo: mas será possível? Puxa vida! E cheguei a uma conclusão, pensando com meus botões: Em política a gente não pode acreditar na palavra nem do Cardeal. A triste realidade foi essa.
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